Mariano Soltys
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MEMÓRIA DO FUTURO – NOVELA – PARTE 40
MEMÓRIA DO FUTURO – NOVELA – PARTE 40



MS está falando com a psicóloga. Ela apenas ouve, nada fala. Sabe doutora, eu até que estou bem, fiz exames e nada foi acusado de ruim. Mas acho que semelhante a gosto por chocolate, que é doce para a alma, pelo contrário, parece que mastigo pedra que derrete na boca. Não sou mais o mesmo, não tenho mais aquele entusiasmo do passado. Sabe que passou muito tempo, e ser replicado em DNA não me trouxe completo. Nem era eu naquela vida muito feliz, mas pelo menos agora, cem anos depois, vejo que meus livros venderam mais que o esperado. A Tina é meu amor, e agora ela volta a trabalhar, a vender memórias de pessoas famosas. Mas não sei doutora, acho que devo procurar uma solução, por isso vim aqui falar contigo. Sabe, antes eu apenas de ver esse chocolate enlouquecia, era um doce que cobria minha alma. Hoje perdeu o brilho, virou um alimento sem tempero. Eu pareço um robô, fico com medo. Eu sei que hoje em dia os robôs fazem de tudo, mas queria ter mais paixão, mais emoção. Eu já tive isso, sei que é maravilhoso. Não queria tomar remédio. Acho que já tenho a força para tal, que a felicidade pode ser um direito pra mim. Eu já li Freud, sei que sublimei muita coisa, que quase cheguei na neurose de angústia ou mesmo na histeria. Naquele tempo eu era assim, por falta de oportunidade, mas hoje tenho a fábrica de chocolate, e Tina é um mulherão que sempre sonhei, apesar de que hoje já não me adoça tanto. Em verdade, quase estou mais cuidando das filhas. Sabe, acho que sou esse paizão, e que tenho medo de Tina achar que já não dou tanta atenção a ela, que não amo mais. Mas amo tanto, apesar de já não ser com o corpo, mas ser mais algo de alma. Será que ficou meu DNA enferrujado? (Computadores calculam a personalidade de MS, seu destino e crises...). mas doutora, eu sei que você não pode falar, que a análise requer muitas cessões. Então meu dia começa sempre meio sem aquela animação. Queria eu acordar a cem por hora. Sabe, viver cheio de alegria. Até danço às vezes com Tina, vamos nas baladas enquanto a babá robô cuida das meninas, mas tudo está perfeito, menos meu corpo. Será que tenho de fazer reposição hormonal? Acho que é uma fase, e ainda sou novo, eu sei. Só queria falar isso pra alguém que não me julgasse, e não queria ver a Tina triste. Achei legal reviver, reencarnar, mas esperava eu que teria o mesmo, que não sofreria tanto. Queria apenas curtir a vida, sabe, morrer de desejo e me lambuzar com chocolate, como muitos fazem. Não julgar, nem analisar, nem nada. Apenas aproveitar. Sabe, a beleza, a arte, o prazer. Queria eu um carpe diem, um hedonismo quase dionisíaco. Queria vender saúde, ser notado nas ruas. Claro que sou, mas eu queria ser gostoso pra mim mesmo. Sabe, degustar esse chocolate loucamente. Ficar hipnotizado, esquecer o mundo no fruto de cacau proibido. Eu lembro que antes eu beijava e tudo era explosivo, mas hoje pareço carro à manivela. Volto duzentos anos em meus sentidos. De adiantaram todos aqueles poemas, se apenas foram palavras, quando as pessoas normais vivem esses versos em seus beijos e prazeres, enquanto eu era um fantasma idealizando edens de alegria. Agora meu Éden parece virar Gehena, espécie de inferno, que pra mim não é de fogo, mas de gelo. E nada pior que o gelo que paralisa, que hiberna a vida para uma outra eternidade. Porque teria eu de nascer perfeito, talvez com outro DNA, um que tivesse mais características libidinosas, sei lá, mais corporal, para que eu tivesse essa catarse. Sabe que meu ego está até bom, mas quase desencarnado, algo bem mais narcisista que em comparação aos 25 anos da vida passada. Pareço que estou em alma de 80 anos, com corpo jovem. Fato é que eu queria ser chocólatra. Não sei porque, acho que vejo as pessoas e queria ter esse direito. Sei que o açúcar não faz bem, nem muito bem para o intestino. Mas aventurar-se, queria mergulhar na vida. Sei que a Tina me estimula a isso, mas não tenho mais aquela curiosidade, aquela adolescência. Vou ver se ela me arruma memória de adolescência, para eu viver coisas que não vivi. Ela mesma poderia ser minha namorada lá, nos meus 17, dezoito anos. Você não acha doutora, viver um pouco de descontrole, seria bom, não? Voltar a ter aqueles desejos que não realizei, e dessa vez curtir, sem obrigação, sem aquela responsabilidade. Nem pensar em estudar, isso para mim seria um remédio mental. Assim MS se despediu da psicóloga, esta que disse após muito silêncio apenas três palavras mágicas: até a próxima cessão.  




Mariano Soltys
Enviado por Mariano Soltys em 18/10/2012
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